BENS MÓVEIS
expo-cápsula de Pedro AlbanBENS MÓVEIS, MEMÓRIAS COMPARTILHADAS
“Talvez, no mundo
atual, (...), a base e o papel da arquitetura não seja mais mostrar o
monumento, mas mostrar o invisível." 1
Edouard Glissant
É no campo da arquitetura que Pedro Alban desenvolve uma poética visual baseada na ambivalência entre o desejo arquivístico e o seu apagamento. Junto à equipe da Arquivo — empresa da qual é sócio-fundador — desmonta edificações desativadas com o intuito de reaproveitar partes e mobílias, destinando-as a novos contextos. Nesse ínterim, iniciado há pouco mais de cinco anos, fotografou residências, assim como cineteatros, hotéis e escolas conhecidos por boa parte da população soteropolitana.
Recentemente, ao consultar esses registros, o interesse do artista se voltou para endereços que marcaram o lazer e o consumo da classe média baiana. São alguns deles: o hotel Bahia Othon Palace, a residência de Ricardo Chaves — conhecido cantor e compositor do carnaval baiano —, o Club Med, antigo resort localizado na ilha de Itaparica, além de um residencial setentista situado no bairro da Ribeira. O conteúdo desses espaços, praticamente inexistentes nos dias atuais, constitui o ponto de partida da série de trabalhos que dá nome à exposição.
“Bens móveis” é um termo normativo que se refere à capacidade de deslocamento físico de objetos inventariados, mas aqui remete à sua manipulação dentro de uma linguagem voltada à reminiscência. Por meio da técnica de transferência acrílica, assentos, azulejos e escadas ganham espaço sobre refugos derivados da madeira de demolição — por essa razão apelidados pelo artista de “resto do resto”. Em cada “pedaço” desses, Alban explora diferentes possibilidades de aparição dos objetos, variando design, escala e ângulo de visão, configurando, pouco a pouco, o inventário ilustrado de uma cidade que diariamente produz ruínas.
Edouard Glissant
É no campo da arquitetura que Pedro Alban desenvolve uma poética visual baseada na ambivalência entre o desejo arquivístico e o seu apagamento. Junto à equipe da Arquivo — empresa da qual é sócio-fundador — desmonta edificações desativadas com o intuito de reaproveitar partes e mobílias, destinando-as a novos contextos. Nesse ínterim, iniciado há pouco mais de cinco anos, fotografou residências, assim como cineteatros, hotéis e escolas conhecidos por boa parte da população soteropolitana.
Recentemente, ao consultar esses registros, o interesse do artista se voltou para endereços que marcaram o lazer e o consumo da classe média baiana. São alguns deles: o hotel Bahia Othon Palace, a residência de Ricardo Chaves — conhecido cantor e compositor do carnaval baiano —, o Club Med, antigo resort localizado na ilha de Itaparica, além de um residencial setentista situado no bairro da Ribeira. O conteúdo desses espaços, praticamente inexistentes nos dias atuais, constitui o ponto de partida da série de trabalhos que dá nome à exposição.
“Bens móveis” é um termo normativo que se refere à capacidade de deslocamento físico de objetos inventariados, mas aqui remete à sua manipulação dentro de uma linguagem voltada à reminiscência. Por meio da técnica de transferência acrílica, assentos, azulejos e escadas ganham espaço sobre refugos derivados da madeira de demolição — por essa razão apelidados pelo artista de “resto do resto”. Em cada “pedaço” desses, Alban explora diferentes possibilidades de aparição dos objetos, variando design, escala e ângulo de visão, configurando, pouco a pouco, o inventário ilustrado de uma cidade que diariamente produz ruínas.
Por
outro viés, exceto pelas faixas de cor opaca, é possível notar, na composição
das imagens de Bens Móveis, a ênfase
na gestualidade do trabalho manual — o que sugere uma menção de Pedro Alban aos
ofícios e manufaturas decadentes, inclusive industriais, que produziram os bens
aqui retratados. Dessa forma, Alban não se volta aos interesses da classe média
urbana, mas tenta se aproximar da memória dos trabalhadores que construíram
seus monumentos arquitetônicos.
Na instalação Aleph, inspirada no conto de Jorge Luis Borges, Alban não poderia ser mais enfático quanto ao cultivo de uma nostalgia tecnológica. Sobre uma mapoteca, apoia um retroprojetor, criando um cenário que inevitavelmente nos coloca diante da era pré-digital.
Sob a luz da projeção, são apresentados cortes de interiores e fachadas já extintos em Salvador. Nas gavetas, mais folhas de transparência convidam o público a sobrepô-las diante da luz para criar composições inéditas. É como se pudéssemos emular, com as imagens, o seu ofício na Arquivo. Ao fazê-lo, áreas em branco são geradas, como se desviassem da obsessão mnemônica do artista — o que remete a “O Aleph”: o encontro com o vazio é inevitável.
Guiado pelas palavras do escritor antilhano Édouard Glissant, acredito que, ao desmontar o monumento, Alban nos passa a mostrar, insistentemente e por meio de sua manufatura, pontos até então invisíveis na experiência com o espaço arquitetônico — como se reivindicasse o direito a uma memória compartilhada da cidade. Em outra via, ao provocar um trabalho nostálgico, penso sobre o fardo daqueles que insistem em lembrar. Resta saber: o que fazer com o que escapa à lembrança?
Uriel Bezerra
1. OBRIST, Hans Ulrich. Conversas do Arquipélago. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.
Na instalação Aleph, inspirada no conto de Jorge Luis Borges, Alban não poderia ser mais enfático quanto ao cultivo de uma nostalgia tecnológica. Sobre uma mapoteca, apoia um retroprojetor, criando um cenário que inevitavelmente nos coloca diante da era pré-digital.
Sob a luz da projeção, são apresentados cortes de interiores e fachadas já extintos em Salvador. Nas gavetas, mais folhas de transparência convidam o público a sobrepô-las diante da luz para criar composições inéditas. É como se pudéssemos emular, com as imagens, o seu ofício na Arquivo. Ao fazê-lo, áreas em branco são geradas, como se desviassem da obsessão mnemônica do artista — o que remete a “O Aleph”: o encontro com o vazio é inevitável.
Guiado pelas palavras do escritor antilhano Édouard Glissant, acredito que, ao desmontar o monumento, Alban nos passa a mostrar, insistentemente e por meio de sua manufatura, pontos até então invisíveis na experiência com o espaço arquitetônico — como se reivindicasse o direito a uma memória compartilhada da cidade. Em outra via, ao provocar um trabalho nostálgico, penso sobre o fardo daqueles que insistem em lembrar. Resta saber: o que fazer com o que escapa à lembrança?
Uriel Bezerra
1. OBRIST, Hans Ulrich. Conversas do Arquipélago. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.





Bens móveis I
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
12x15x2,5cm
2025


Bens móveis II
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
14,5x37x2,5cm
2025


Bens móveis III
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
18x30,5x2cm
2025

Bens móveis IV
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
20x23x2,5cm
2025


Bens móveis V
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
10x36,5x2,5cm
2025


Bens móveis VI
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
12,5x36,5x2,5cm
2025


Bens móveis VII
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
9x37x2,5cm
2025


Bens móveis VIII
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
25x9,5x4,5cm
2025


Avenida Estados Unidos (Travessa do Sonho)
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
58,5x40x3cm
2025


Bens móveis IX
Pedro Alban
acrílica sobre madeira
17x23,5x4,5cm
2025



Bens móveis X
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
105x14x7cm
2025


Alameda dos Sombreiros
Pedro Alban
acrílica e óleo sobre madeira
38x23,5x4,5cm
2025

Aleph
Pedro Alban
instalação: mapoteca em madeira de demolição, projetor e transparências
2025
fotografias de Paula Mussi, Natália Lessa, Fernanda Veiga, Ana da Gama Bauer, Rafaela Agra e Gustavo Oliveira; execução de mapoteca por Luís Carlos da Silva Garcia
PEDRO ALBAN
(Salvador, 1993)Artista visual e arquiteto. Sua pesquisa se debruça sobre o universo da construção e seus processos práticos ou subjetivos - f luxos materiais, implicações ecológicas e questões de memória. A experiência de ser o último a entrar em edificações antes delas deixarem de existir - ser a barreira final entre resgate e descarte - movimenta sua produção mais recente.
Projetos selecionados incluem participações na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo (2019, 2022) e na Bienal Ibero-Americana de Arquitetura (2022), da qual foi um dos finalistas; as exposições individuais “Contracorpos” (2019) e “Notícias de Lugar Nenhum”, ambas em Salvador; e ainda participação na 64ª edição dos Salões de Artes Visuais da Bahia com o trabalho “Todo Material é Memória, Todo Resíduo também” (2022). É coautor do livro Cincotrês (2022) e ministrou a oficina “Território Material” no Instituto Tomie Ohtake (2024). Entre 2017 e 2022 fez parte do coletivo Mouraria 53 que, entre outras ações, ocupou e renovou uma ruína no centro antigo de Salvador a partir dos restos de mais de 60 demolições da cidade.