VIGÍLIA
expo-cápsula de Henrique Reis26 JUL - 13 SET
Agradecimentos: Ubirajara e Marilene Ferreira,
Tiago Sant’Ana, Daniel Rangel, Patrícia Paixão,
Andrea May, Ricardo Bezerra e Busca.
Agradecimentos: Ubirajara e Marilene Ferreira,
Tiago Sant’Ana, Daniel Rangel, Patrícia Paixão,
Andrea May, Ricardo Bezerra e Busca.
“Esses trabalhos são como um sonhar acordado, uma disposição à fantasia
dentro de um estado de vigília”, afirma Henrique Reis (1995) sobre sua mais recente
série de pinturas. Vigília, estado voluntário de alerta e privação de sono em horários
onde é natural dormir, intitula a sua primeira exposição individual na RV Cultura e
Arte em Salvador.
Desde 2024, o artista de Macajuba, município do semiárido
baiano, e radicado na capital baiana, tem se dedicado a construir imagens noturnas
que investigam a sexualidade masculina em espaços públicos, especialmente
através do cruising, prática de busca por encontros casuais em parques, praças e
matas. Seu trabalho ficcionaliza cenas a partir da vivência dos gatunos que se
esgueiram pelas trilhas subterrâneas da cidade.
Observamos os quadros em acrílica como se, agachados por detrás de uma moita, tivéssemos, como seus personagens, perambulado pelo bosque. São visões sonâmbulas de anônimos excitados pelo proibido a transformar interdição em fetiche. Em Mamoeiro, um trio ocupa a metade esquerda da tela. Ignora a luz dura que lambe seus corpos, fazendo-os saltar do mato escuro e amorfo. É impossível olhar para a composição na cadeia de gestos de prazer e não lembrar dos dirty drawings do cartunista Tom of Finland (1920–1991), feitos entre as décadas de 1940 e 60, nos quais homens hiper masculinizados, sempre abertos ao prazer e sempre dotados de ternura, disputam o espaço público.
A figuração de Henrique Reis tende a ser mais realista do que a do ilustrador finlandês, trazendo como exceção a figura de um felino que se afasta furtivamente da cena sem deixar de espiá-la. A criatura, transplantada de uma iluminura medieval, carrega entre os dentes um falo. Alva, com espesso contorno negro, nem ilumina o ambiente nem se deixa ser engolida por sua escuridão, acrescentando uma camada de delírio ao trabalho com sua visualidade estranjeira.
Única a apresentar elementos em cena para além de fauna e flora trepidantes, em Amêndoas, um homem enterra seu rosto nas pernas de outro. Sentados em um banco de praça iluminado por um poste, eles são retratados em posições despojadas, conferindo uma crueza à cena menos explícita.
Observamos os quadros em acrílica como se, agachados por detrás de uma moita, tivéssemos, como seus personagens, perambulado pelo bosque. São visões sonâmbulas de anônimos excitados pelo proibido a transformar interdição em fetiche. Em Mamoeiro, um trio ocupa a metade esquerda da tela. Ignora a luz dura que lambe seus corpos, fazendo-os saltar do mato escuro e amorfo. É impossível olhar para a composição na cadeia de gestos de prazer e não lembrar dos dirty drawings do cartunista Tom of Finland (1920–1991), feitos entre as décadas de 1940 e 60, nos quais homens hiper masculinizados, sempre abertos ao prazer e sempre dotados de ternura, disputam o espaço público.
A figuração de Henrique Reis tende a ser mais realista do que a do ilustrador finlandês, trazendo como exceção a figura de um felino que se afasta furtivamente da cena sem deixar de espiá-la. A criatura, transplantada de uma iluminura medieval, carrega entre os dentes um falo. Alva, com espesso contorno negro, nem ilumina o ambiente nem se deixa ser engolida por sua escuridão, acrescentando uma camada de delírio ao trabalho com sua visualidade estranjeira.
Única a apresentar elementos em cena para além de fauna e flora trepidantes, em Amêndoas, um homem enterra seu rosto nas pernas de outro. Sentados em um banco de praça iluminado por um poste, eles são retratados em posições despojadas, conferindo uma crueza à cena menos explícita.
Em alguns trabalhos, os corpos retratados se aproximam ao físico cultuado
presente nas fotografias do fluminense Alair Gomes (1921–1992), autor de séries de
acentuado caráter voyeurístico. Gomes mostra rapazes musculosos em momentos
de lazer ou se exercitando na praia, fotografados de seu apartamento. O sol é
rebatido pela areia, isolando a cena e conferindo uma brancura artificial que
neutraliza o ambiente e realça os retratados. Henrique Reis faz o oposto: não isola,
mas dissolve no breu os corpos que pinta.
O couro, elemento importante na produção do artista, retorna para o seu trabalho nesta exposição. Em Montaria, é possível conferir as costas sinuosas de um homem, tatuadas com uma imagem clássica de São Jorge: no dorso de um cavalo rampante, empunhando sua lança e prestes a perfurar um dragão. O couro alude à cultura BDSM ou aos leathermen, mas está cravejado de miçangas brancas e medalhinhas do padroeiro dos cavaleiros que conferem delicadeza à peça. Elas, juntamente ao pelo na pele espalmada, trazem uma dimensão háptica à obra. Essa mistura entre erotismo e religiosidade é uma constante na visualidade fetichista, onde sofrimento, poder e desejo se combinam.
Em Bananeiras, dois homens se beijam. Seus corpos estão imersos na água. Trêmula, ela nos impede de ver o que fazem. O bananal que os rodeia é lavado por uma luz dura como as do fotógrafo japonês Kohei Yoshiyuki (1946–2022), que, com infravermelho e flash, embaralhava as posições de participante e espectador ao registrar atividades sexuais noturnas nos parques de Tóquio. As cenas de Henrique Reis suscitam em nós a posição de voyeurs enquanto presenças fora do plano: ao olhá-las da nossa fresta, somos cúmplices da fantasia. Contudo, possuem uma diferença fundamental das fotografias de Yoshiyuki: são pinturas, tinta sobre tela.
Henrique Reis não documenta, costura, com sua pintura sonâmbula, experiências vividas e sonhadas por aqueles cujos desejos são represados à luz do dia e que forjam o prazer em encontros tensos, marginais e possíveis quando embrenhados na noite.
Guilherme Moraes
O couro, elemento importante na produção do artista, retorna para o seu trabalho nesta exposição. Em Montaria, é possível conferir as costas sinuosas de um homem, tatuadas com uma imagem clássica de São Jorge: no dorso de um cavalo rampante, empunhando sua lança e prestes a perfurar um dragão. O couro alude à cultura BDSM ou aos leathermen, mas está cravejado de miçangas brancas e medalhinhas do padroeiro dos cavaleiros que conferem delicadeza à peça. Elas, juntamente ao pelo na pele espalmada, trazem uma dimensão háptica à obra. Essa mistura entre erotismo e religiosidade é uma constante na visualidade fetichista, onde sofrimento, poder e desejo se combinam.
Em Bananeiras, dois homens se beijam. Seus corpos estão imersos na água. Trêmula, ela nos impede de ver o que fazem. O bananal que os rodeia é lavado por uma luz dura como as do fotógrafo japonês Kohei Yoshiyuki (1946–2022), que, com infravermelho e flash, embaralhava as posições de participante e espectador ao registrar atividades sexuais noturnas nos parques de Tóquio. As cenas de Henrique Reis suscitam em nós a posição de voyeurs enquanto presenças fora do plano: ao olhá-las da nossa fresta, somos cúmplices da fantasia. Contudo, possuem uma diferença fundamental das fotografias de Yoshiyuki: são pinturas, tinta sobre tela.
Henrique Reis não documenta, costura, com sua pintura sonâmbula, experiências vividas e sonhadas por aqueles cujos desejos são represados à luz do dia e que forjam o prazer em encontros tensos, marginais e possíveis quando embrenhados na noite.
Guilherme Moraes

Bananeiras
Henrique Reis
acrílica sobre tela
82x82cm
2025


Montaria
Henrique Reis
acrílica e miçangas sobre couro com aplicação de ilhós, mosquetões e pingentes
84x67cm
2025

Mamoeiro
Henrique Reis
acrílica sobre tela
82x82cm
2025

Amendoeira
Henrique Reis
acrílica sobre tela
78x75cm
2025

Vagalumes
Henrique Reis
acrílica sobre tela
80x80cm
2025

Fresta
Henrique Reis
acrílica sobre tela
95x78cm
2025
HENRIQUE REIS
(Macajuba, 1995)Parte do ambiente noturno para construir cartografias que versam sobre vigilância, territórios periféricos e dissidência sexual homoafetiva.
Foi premiado no 67° Salão de Artes Visuais da Bahia (Irecê, 2024), participou do 51° Salão de Arte Contemporânea Luiz Sacilotto (Santo André, 2024), do 64º Salões de Artes Visuais da Bahia (Salvador, 2022) e do 1° Circuito de Arte em Boteco - CAB (Salvador, 2024). Integrou a coletiva UTOPIAS e DISTOPIAS no MAM Bahia (Salvador, 2022) e participa do Programa de Acompanhamento Curatorial Individual realizado pela Propágulo.