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“A Arte e o Humor Gráfico de Cau Gomez - 30 anos de Bahia” é uma celebração da carreira deste artista, no ano em que completa três décadas desde que se mudou para Salvador. Saindo de Belo Horizonte a convite, para integrar a vanguardista equipe do Jornal Bahia Hoje, Cau encontrou na cidade o espaço que precisava para forjar sua identidade gráfica e desenvolver sua marca de autor. Ao longo dos anos foi cartunista, caricaturista e ilustrador, e nessa mostra o público é convidado a conhecer todas essas facetas.

Na primeira sala, o visitante é recebido por criações em cartum e charge publicadas em periódicos nacionais e internacionais, obras premiadas em prestigiosos festivais, rascunhos a lápis, pinturas em diversos materiais e reproduções de trabalhos digitais, testemunhas não só da qualidade técnica e da sensibilidade de um artista, mas também da tradição da arte gráfica enquanto crônica e metáfora visual da sociedade contemporânea.
Na sala seguinte, tomada por caricaturas, seduzem o olhar a ironia, a sátira e a crítica de costumes impregnadas em cada desenho. Entre referências importantes na ilustração e no humor, mais de uma dezena de figuras icônicas do Brasil e do mundo povoam o imaginário do artista e do espectador.

Na última sala, dedicada aos livros ilustrados, incluindo histórias em quadrinhos, três dos títulos mais envolventes publicados com o traço de Cau Gomez são revistados em forma de originais. Um convite à leitura e uma oportunidade para o público descobrir o processo de produção do artista, enquanto reconhece a importância da arte final e do projeto gráfico na apresentação de uma história.

Se Cau possui mesmo o humor de um indignado social, como disse Ziraldo certa vez, essa exposição é, sem dúvidas, prova de que o talento gráfico do traço e a elegância plástica se convertem em uma voz eloquente capaz de despertar a expectativa de fazer rir e também de fazer pensar.

RV Cultura e Arte




O craque do nosso time

Em algum dia do começo de 1993, pouco depois de completar 21 anos de idade, ao desembarcar em Salvador para ajudar a fundar o Bahia Hoje, o mineiro Cau Gomez chegou pronto para festa, não para uma guerra editorial. Antes mesmo de partir, soube que não faria parte de um jornal qualquer, mas do mais moderno e tecnológico diário do país, o mais colorido e bem impresso, com máquinas de última geração e câmeras digitais de 15 mil dólares – que nenhum diário usava em todo o Brasil.

Enfim, aquele diário altamente tecnológico deveria causar impacto visual e deixar o leitor boquiaberto – juntamente com nossas matérias, reportagens e entrevistas. O projeto o empolgou tanto que topou mudar de cidade, sem jamais imaginar quando voltaria para a sua Belo Horizonte de nascimento. Em jornal é assim, ninguém joga sozinho – e só tecnologia não basta. Forma-se um time e aquele era de garotos, em sua maioria, quase todos recém-formados, que tinham virado chacota nas outras redações como a equipe do “jornal dos estagiários”.

Cau talvez não fizesse ideia do papel que desempenharia nessa aventura jornalística rara e preciosa. Nem que se transformaria no diferencial, no chamariz, em uma espécie de mestre de cerimônias, o bailarino do traço, o dançarino a girar ao redor dos pincéis em meio a uma infinidade de cores que sempre curtiu manipular. Poderia ser visto também como menestrel do humor, a fazer rir e, em seguida, refletir. Na verdade, era mesmo, de fato, o craque do nosso time cheio de talentos, como o tempo mostraria.

A sua maturidade impressionava pela arte bem construída e de grande impacto. Ou pelo convívio no dia a dia: era um rapaz bem-educado, vindo de um lar sólido. Embora fosse ótimo de papo, sua postura era do fale pouco e faça mais, pois a modéstia sempre fez parte de sua personalidade. Suas ilustrações que cobriam uma página quase inteira, não raro, de traços hipnotizantes, faziam toda diferença nas bancas.

Sem ele se dar conta, deram-lhe uma tremenda responsabilidade na engrenagem do jornal. Cau se revelou um Reinaldo (lendário camisa 9 do seu Atlético), daqueles feras que a gente tanto sonha ver jogar no clube do nosso coração. O real era que ele estava com a gente, naquele enorme desafio de transformar o Bahia Hoje em algo possível, de respeito. Ele era o driblador do nosso time, um matador do traço.

A cada fechamento de edição,  Cau mandava uma bola atrás da outra para dentro da rede, com suas charges e caricaturas expressivas, sombrias, delicadas e profundamente silenciosas, de grande impacto visual, capazes de dar um nó na cabeça do leitor, pois sempre diziam algo a mais do que aparentavam. Aquilo era bem estimulante para todos nós, estávamos dando certo.

A gente fazia um texto, um perfil, principalmente na página do caderno Cidade da Bahia e se deparava no dia seguinte com uma incrível caricatura de sua autoria a decorar a bela capa. Sim, pode-se compará-lo a um confeiteiro do bolo que a gente preparava – uso o termo porque sei da sua paixão por gastronomia. Lembro de Dorival Caymmi, Raul Seixas, Batatinha, Guido Guerra, nomes que perfilei e que saíram com suas ilustrações arrebatadoras. 

Como alguém tão novo podia ter um estilo tão maduro, pessoal e acabado? Talento precoce, Cau construiu para si uma base sólida, com influências que buscou em grandes nomes das artes gráficas, ao mesmo tempo em que dominava várias técnicas nas artes plásticas e pintura – recursos marcantes em suas caricaturas.

Segundo ele, foi e é em meio aos estudos no uso das tintas que mais se realiza ao reciclar referências de grandes mestres e pintores que mais admira. A lista é grande, com figuras que povoam seu estúdio, abarrotado de livros e imagens: Rubens, Goya, Rembrandt, Picasso, Magritte, Toulouse Lautrec, George Grosz, Candido Portinari, Anita Malfatti e Jean-Michel Basquiat.

Após o fim do jornal, poucos anos depois, Cau fez a sua história na Bahia. E a partir da Bahia. Seu coração já era baiano antes de ele nascer, ao que parece, e será para sempre, pois aqui está há exatos 30 anos, brevemente resumido nesta exposição incrível cujo catálogo você, leitor, tem em mãos. É uma celebração necessária, indispensável, imperdível desse ilustre cidadão soteropolitano de coração.

O que se vê nas páginas a seguir e nos painéis expostos não é o Cau Gomez digital ou analógico, dos tempos do lápis, do pincel e das cores – meios que ainda usa – ou seu gênio criativo a partir das ferramentas tecnológicas para desenho. Essas formas de fazer não alteram o resultado. Temos aqui o Cau criativo, inventivo, incansável na busca pelo surpreender sempre, o artista a provocar a reflexão de diversas formas.

O reconhecimento nacional e internacional não demoraria, com a benção dos orixás baianos, que o adotaram como filho de uma Bahia ancestral onde ele se sente em casa. No decorrer de exatas três décadas, seu traço marcou importantes veículos impressos de comunicação do Brasil, como O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, Hoje Em Dia, Cometa Itabirano, Pasquim 21, Playboy, Palavra, Gráfica Magazine, Veja e Piauí.

Esses são só alguns exemplos. Cau acumula mais de 65 grandes prêmios nacionais e internacionais, além de inúmeras menções honrosas. Algo, aliás, que ele nunca fez questão de difundir entre os amigos, pois sua discrição fez com que jamais flertasse com o exibicionismo. Ou passasse a ideia de ego inflado.

Em paralelo, deixou suas digitais no jornalismo baiano, a ponto de levá-lo a receber, em 2009, o título de Cidadão Honorário da Cidade de Salvador, pela Câmara de Vereadores, em reconhecimento à sua importância principalmente através dos desenhos de humor político publicados diariamente nas páginas de opinião editorial  no jornal A Tarde, onde está há 16 anos.

Fica claro nesta exposição que o quixotismo de Cau Gomez continua inabalável: ele não se cansa de querer redesenhar o mundo por meio de cartuns-manifestos que tentam tocar o coração das pessoas. Artista de grande humanidade, refaz com sensibilidade o que lhe parece errado. Dedica-se a isso o tempo todo para lhe dar uma aparência mais justa, sensata. É o preceito de que a arte muda as coisas. Ou tem a pretensão.

Nada tem sentido para ele se não for desse modo. Porque Cau é assim, um gigante gentil em todos os sentidos, além de um amigo para mim, que sempre jogamos no mesmo lado do campo. Ele me faz lembrar do seu velho ídolo Reinaldo, centroavante implacável. Se jogassem juntos, bastava esperar seu passe para fuzilar as redes. Ou assisti-lo brilhar, porque ele corre sem olhar para os lados, em direção ao gol, sempre. Craque que é.

Gonçalo Junior
Autor de A Guerra dos Gibis



Ficha técnica

Realização
Caixa
Caricaturas, Cartuns e Ilustrações
Cau Gomez
Coordenação Geral e Produção
RV Cultura e Arte
Curadoria
Ilan Iglesias e Cau Gomez
Assessoria de Comunicação
Letícia Belém
Textos
Larissa Martina
Texto para catálogo
Gonçalo Junior
Projeto Gráfico e Expográfico
TANTOcria (Daniel Sabóia, Fábio Steque e Patricia Almeida)
Audiodescrição
Roteiro e narração por Patrícia Braille e Consultoria por Silvânia Macêdo
Produção Audiovisual
Ser Tão Filmes
Fotografia
Caixa de Fósforo
Montagem
Paulo Tosta e Agnaldo Santos
Pintura de paredes
Ademir Ferreira
Carpintaria
Reinaldo Costa





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