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Há um grande cansaço de explicar o mar

Nestor Jr.
13/12/2017 a 16/02/2018
︎ Roberto Abreu




Release
OCUPAÇÃO SAMBAQUI
Artista catarinense retorna à capital baiana 2 anos depois da sua última mostra para residência artística e exposição inédita na cidade.

Quem passa pelo litoral catarinense pode não perceber, mas alguns dos montes que compõem a paisagem da região são formados por acúmulos de restos de materiais orgânicos e calcários (madeiras, ossos e conchas), depositados nesses espaços ao longo de décadas pelos primitivos habitantes da costa sul. Mais recorrentes nessa região do país, mas com evidências ao longo da costa brasileira, estendendo-se até o litoral sul da Bahia, esses espaços-monumentos, localizados em geral em regiões férteis, próximos a rios, mangues e mar, foram construídos por povos nômades, e funcionavam como observatórios para pesca e proteção, como espaços ritualísticos, urnas funerárias e também como casas/malocas.

Os SAMBAQUIS - como são chamadas essas construções - representam um verdadeiro registro da história e da cultura litorânea e são o ponto de partida para a composição dos trabalhos que formam a mostra “Há um grande cansaço de explicar o mar” que o artista catarinense Nestor Jr, apresenta a partir de dezembro em Salvador.

Nas obras apresentadas, pedras, corais, conchas, sementes, folhas, madeiras e personagens aparecem nas aquarelas e objetos da mostra inédita. Elementos que o artista utiliza de forma metafórica em composições. A busca por novos territórios, físicos e imagéticos, do entendimento dos espaços e de si mesmo, além da procura por sua casa-concha e de um território possível para o seu corpo, compõem esse processo de criação e se fundem à próprias vivências de Nestor, que entre 2013 e 2017 viajou pelo país ministrando oficinas, produzindo intervenções e expondo seus trabalhos.

“Minha mobilidade como artista em busca de público e de espaços de recepção e difusão da minha obra tem se tornado uma constante na minha vida. E talvez seja uma busca e entendimento de mim mesmo enquanto artista e ser humano. A necessidade incessante dessas viagens, dessas buscas, das coletas. Dos acúmulos não só materiais mas também de experiências e trocas”, explica o artista.

Além disso, como representação de casas, Nestor Jr traça uma conexão com o corpo - tema bastante latente em seus trabalhos anteriores. Vistos pelo artista como símbolos de proteção e segurança, as conchas - base para a construção dos sambaquis - também a trazem a reflexão a respeito da libertação dos corpos, de uma busca pela autonomia sobre nossas próprias casas-cascas. É a forma de o artista questionar a censura da nudez e da arte e o momento trágico que o Brasil vive em torno desta questão.

Desta ligação, surge a referência a Oswald de Andrade, cujo poema dá nome à exposição. No texto, o poeta trata da exclusão das prostitutas pobres que frequentavam as ruas do Mangue, às margens do Centro do Rio de Janeiro, no século XIX. As mulheres que representavam a “sujeira” da cidade eram presas e obrigadas a viver em reclusão em bordéis e cabarés. A hipocrisia contrastava com a prostituição de luxo, na época, instalada na região da Lapa. Paralelo que pode ser feito com os artistas contemporâneos, que têm sofrido protestos de intolerância e incompreensão em diversas regiões do país.

Sobre o artista 
Nestor Jr. mora em Florianópolis/SC. Sua trajetória profissional teve início em Blumenau-SC, no ano de 2002. Já participou de diversas exposições - individuais e coletivas - em Santa Catarina, São Paulo, Goiânia, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador. No exterior, mostrou sua obra na França, Portugal, Espanha e Itália. Teve ilustrações e pinturas publicadas em revistas nacionais - assinou capa da revista Zupi em 2011 (importante publicação voltada a arte/design) - e foi destaque em publicações internacionais na Colômbia, França, Alemanha, Estados Unidos e Itália. Além da colaboração em diversas revistas especializadas, possui trabalhos em capas de livros, CDds e outras formas de contribuições artísticas independentes.

Texto
Vá imaginando, Nestor,
O horizonte 180° que vai de Ondina até o Morro do Cristo. Num caso, você pega uma lanchinha, vai mar adentro, como se fosse fazer uma travessia sei lá pra onde. Itaparica ou vai pra se perder…? se estica todo e replica o trajeto do barco na água com os dedos, formando um desenho que se desfaz em seguida. Só por prazer.
Num outro caso, Nestor, lá da pedra da ponta, você jogaria todas essas coisas de praia que você guarda de novo no mar. O búzio de peguari, só que preto, o ovo de tubarão (dizem), as conchinhas pequenas que eu não consigo ver direito… tudo isso de história sutil, teria passado por sua mão e mão de amigos e morariam perto da vila onde viveu Diogo Caramuru e Catarina Paraguaçu, sedimentos de água suja, navios naufragados e resquícios arrastados pelas chuvas repentinas de carnaval/axé music.
Acho bonito demais como você cria intimidade com essas miudezas. Coisas que são grandes e gerais num sambaqui, num contexto científico. Por isso quis tanto te contar sobre o texto “O Sambaqui Daqui” do Antonio Risério (procurem). Dessas coisas você teria descrito beleza.
Desenhar e pintar é bom demais, né?
Pedro Marighella
artista visual

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