BENS MÓVEIS
expo-cápsula de Pedro Alban26 JUL - 13 SET
BENS MÓVEIS, MEMÓRIAS COMPARTILHADAS
“Talvez, no mundo
atual, (...), a base e o papel da arquitetura não seja mais mostrar o
monumento, mas mostrar o invisível." 1
Edouard Glissant
É no campo da arquitetura que Pedro Alban desenvolve uma poética visual baseada na ambivalência entre o desejo arquivístico e o seu apagamento. Junto à equipe da Arquivo — empresa da qual é sócio-fundador — desmonta edificações desativadas com o intuito de reaproveitar partes e mobílias, destinando-as a novos contextos. Nesse ínterim, iniciado há pouco mais de cinco anos, fotografou residências, assim como cineteatros, hotéis e escolas conhecidos por boa parte da população soteropolitana.
Recentemente, ao consultar esses registros, o interesse do artista se voltou para endereços que marcaram o lazer e o consumo da classe média baiana. São alguns deles: o hotel Bahia Othon Palace, a residência de Ricardo Chaves — conhecido cantor e compositor do carnaval baiano —, o Club Med, antigo resort localizado na ilha de Itaparica, além de um residencial setentista situado no bairro da Ribeira. O conteúdo desses espaços, praticamente inexistentes nos dias atuais, constitui o ponto de partida da série de trabalhos que dá nome à exposição.
“Bens móveis” é um termo normativo que se refere à capacidade de deslocamento físico de objetos inventariados, mas aqui remete à sua manipulação dentro de uma linguagem voltada à reminiscência. Por meio da técnica de transferência acrílica, assentos, azulejos e escadas ganham espaço sobre refugos derivados da madeira de demolição — por essa razão apelidados pelo artista de “resto do resto”. Em cada “pedaço” desses, Alban explora diferentes possibilidades de aparição dos objetos, variando design, escala e ângulo de visão, configurando, pouco a pouco, o inventário ilustrado de uma cidade que diariamente produz ruínas.
Edouard Glissant
É no campo da arquitetura que Pedro Alban desenvolve uma poética visual baseada na ambivalência entre o desejo arquivístico e o seu apagamento. Junto à equipe da Arquivo — empresa da qual é sócio-fundador — desmonta edificações desativadas com o intuito de reaproveitar partes e mobílias, destinando-as a novos contextos. Nesse ínterim, iniciado há pouco mais de cinco anos, fotografou residências, assim como cineteatros, hotéis e escolas conhecidos por boa parte da população soteropolitana.
Recentemente, ao consultar esses registros, o interesse do artista se voltou para endereços que marcaram o lazer e o consumo da classe média baiana. São alguns deles: o hotel Bahia Othon Palace, a residência de Ricardo Chaves — conhecido cantor e compositor do carnaval baiano —, o Club Med, antigo resort localizado na ilha de Itaparica, além de um residencial setentista situado no bairro da Ribeira. O conteúdo desses espaços, praticamente inexistentes nos dias atuais, constitui o ponto de partida da série de trabalhos que dá nome à exposição.
“Bens móveis” é um termo normativo que se refere à capacidade de deslocamento físico de objetos inventariados, mas aqui remete à sua manipulação dentro de uma linguagem voltada à reminiscência. Por meio da técnica de transferência acrílica, assentos, azulejos e escadas ganham espaço sobre refugos derivados da madeira de demolição — por essa razão apelidados pelo artista de “resto do resto”. Em cada “pedaço” desses, Alban explora diferentes possibilidades de aparição dos objetos, variando design, escala e ângulo de visão, configurando, pouco a pouco, o inventário ilustrado de uma cidade que diariamente produz ruínas.
Por
outro viés, exceto pelas faixas de cor opaca, é possível notar, na composição
das imagens de Bens Móveis, a ênfase
na gestualidade do trabalho manual — o que sugere uma menção de Pedro Alban aos
ofícios e manufaturas decadentes, inclusive industriais, que produziram os bens
aqui retratados. Dessa forma, Alban não se volta aos interesses da classe média
urbana, mas tenta se aproximar da memória dos trabalhadores que construíram
seus monumentos arquitetônicos.
Na instalação Aleph, inspirada no conto de Jorge Luis Borges, Alban não poderia ser mais enfático quanto ao cultivo de uma nostalgia tecnológica. Sobre uma mapoteca, apoia um retroprojetor, criando um cenário que inevitavelmente nos coloca diante da era pré-digital.
Sob a luz da projeção, são apresentados cortes de interiores e fachadas já extintos em Salvador. Nas gavetas, mais folhas de transparência convidam o público a sobrepô-las diante da luz para criar composições inéditas. É como se pudéssemos emular, com as imagens, o seu ofício na Arquivo. Ao fazê-lo, áreas em branco são geradas, como se desviassem da obsessão mnemônica do artista — o que remete a “O Aleph”: o encontro com o vazio é inevitável.
Guiado pelas palavras do escritor antilhano Édouard Glissant, acredito que, ao desmontar o monumento, Alban nos passa a mostrar, insistentemente e por meio de sua manufatura, pontos até então invisíveis na experiência com o espaço arquitetônico — como se reivindicasse o direito a uma memória compartilhada da cidade. Em outra via, ao provocar um trabalho nostálgico, penso sobre o fardo daqueles que insistem em lembrar. Resta saber: o que fazer com o que escapa à lembrança?
Uriel Bezerra
1. OBRIST, Hans Ulrich. Conversas do Arquipélago. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.
Na instalação Aleph, inspirada no conto de Jorge Luis Borges, Alban não poderia ser mais enfático quanto ao cultivo de uma nostalgia tecnológica. Sobre uma mapoteca, apoia um retroprojetor, criando um cenário que inevitavelmente nos coloca diante da era pré-digital.
Sob a luz da projeção, são apresentados cortes de interiores e fachadas já extintos em Salvador. Nas gavetas, mais folhas de transparência convidam o público a sobrepô-las diante da luz para criar composições inéditas. É como se pudéssemos emular, com as imagens, o seu ofício na Arquivo. Ao fazê-lo, áreas em branco são geradas, como se desviassem da obsessão mnemônica do artista — o que remete a “O Aleph”: o encontro com o vazio é inevitável.
Guiado pelas palavras do escritor antilhano Édouard Glissant, acredito que, ao desmontar o monumento, Alban nos passa a mostrar, insistentemente e por meio de sua manufatura, pontos até então invisíveis na experiência com o espaço arquitetônico — como se reivindicasse o direito a uma memória compartilhada da cidade. Em outra via, ao provocar um trabalho nostálgico, penso sobre o fardo daqueles que insistem em lembrar. Resta saber: o que fazer com o que escapa à lembrança?
Uriel Bezerra
1. OBRIST, Hans Ulrich. Conversas do Arquipélago. Rio de Janeiro: Cobogó, 2023.